Siemens lançou projeto contra corrupção enquanto estava envolvida em fraudes em licitações
Vinícius Segalla
A Siemens é uma corporação curiosa. A empresa alemã, conforme vem sendo divulgado pela imprensa nas últimas semanas, envolveu-se em práticas desabonadoras nos últimos anos no Brasil. Mais especificamente, no Estado de São Paulo e no Distrito Federal. Isso não a impediu de tomar a frente de um projeto cujo objetivo declarado é promover a adoção de ''medidas preventivas para combater fraudes e a corrupção'' nas interações entre o público e o privado nas obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Ao mesmo tempo, como revelou o jornal Folha de S.Paulo, o grupo empresarial participou de conluio com outras empresas privadas e com servidores para fraudar processos licitatórios do Metrô de SP, durante período que foi de, pelo menos, 2000 a 2007.
Além disso, no mês passado, policiais ocuparam a sede do consórcio responsável pela operação do Metrô de Brasília, liderado pela Siemens, de posse de um mandado de busca e apreensão de documentos. É que o consórcio, que controla o sistema desde 2007, é suspeito de ter participado de acerto de preços na concorrência que o colocou à frente do Metrô do DF. Está sendo investigado pelo Ministério Público do Distrito Federal. Os documentos apreendidos pela polícia estão agora no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De 2009 até o primeiro trimestre deste ano, o DF gastou mais de R$ 645 milhões na manutenção de seu metrô, de 43 quilômetros e 29 estações, sendo 24 em funcionamento.
Enquanto isso ocorria, enquanto a Siemens se envolvia em práticas de fraude em contratações com a administração pública, com os consequentes desperdício e desvio de recursos, segundo a própria companhia admite em relatório entregue ao Cade, em dezembro de 2010, a empresa alemã lançou o Projeto Jogos Limpos, anunciando um investimento de 3 milhões de dólares da companhia em um programa cujo objetivo é ''ampliar a transparência dos investimentos governamentais, aumentar a integridade nas relações público-privadas e fortalecer o controle social''. O lançamento teve divulgação na mídia, coquetel comemorativo e cerimonialidades. Uma beleza.
Quem banca o projeto é o Siemens Integrity Initiative, um braço da corporação que investe em programas de transparência empresarial em países de terceiro mundo para ''promover mercados honestos e sadios''.
Mas a Siemens é uma empresa curiosa. Uma das principais ações do programa, que ganhou o apoio do Instituto Ethos, é a manutenção de um site de transparência, que vai sendo atualizado com os custos previstos das principais obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Então, está lá, por exemplo, o custo previsto inicialmente para o Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, segundo a empresa, de R$ 745 milhões. Também está lá o valor atualizado, segundo a empresa, da empreitada: R$ 688 milhões. Bom, o Estádio Nacional já está concluído. O custo final anunciado foi de R$ 1,566 bilhão, o dobro do previsto, pago integralmente com dinheiro público.
Também está no site dos ''Jogos Limpos'', por exemplo, que o Estado de Mato Grosso previa, inicialmente, construir um sistema de linhas exclusivas para ônibus na cidade de Cuiabá, a um custo de R$ 481 milhões. Segundo site, o custo atualmente previsto é o mesmo, mas a obra está parada. Na realidade, porém, Mato Grosso substituiu este projeto por outro em julho de 2011. Em seu lugar, o governo constrói uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) em seu projeto custeado com obras da Copa, a um custo de mais de R$ 1,4 bilhão, paga 100% com dinheiro público, que não está nem na metade.
Falando o português claro, está tudo desatualizado, mas muito desatualizado. Os 3 milhões de dólares anunciados pela empresa alemã certamente não estão indo, em nenhuma fração, para o custeio do site de transparência e acompanhamento das obras.
Mas o projeto não é só isso. Ele também deveria promover pactos e instituir comitês setoriais em nome do combate à corrupção. No site dos ''Jogos Limpos'', afirma-se que ''governos e candidatos a prefeitos serão chamados a assumir compromissos públicos de adotar medidas preventivas para combater fraudes e a corrupção. A sociedade civil terá acesso a ferramentas que ajudem no controle social dos investimentos públicos destinados aos grandes eventos''.
Na área de ''Destaques'' do site do projeto, nada é descrito sobre a formação ou debate em comitês setoriais de práticas de combate à corrupção. Tampouco informa-se se de fato os candidatos a prefeito nas Eleições de 2012 foram chamados a assumir compromissos, muito menos se efetivamente assumiram.
Este blog, então, enviou ao Instituto Ethos e à Siemens, no início da tarde da última sexta-feira, as seguintes perguntas:
– Quais foram as principais realizações do projeto até agora?
– Há profissionais trabalhando integralmente no projeto? Se sim, quantos?
– A ideia inicial do projeto era estabelecer pactos setoriais com quatro grandes segmentos econômicos. Eles foram firmados? Se sim,
houve a criação dos grupos de trabalho para acompanhamento? Se sim, há relatórios desses grupos que possamos ter acesso?
Até a publicação deste post, nenhuma resposta. Na Siemens, sequer responderam aos telefonemas, certamente estão ocupados. Já no Instituto Ethos, disseram que não seria possível responder a todas as perguntas até a manhã desta segunda-feira.
Foi-lhes respondido, então, que não seria problema se apenas uma ou duas das perguntas fossem respondidas, informações de fácil acesso, diga-se, dizer quais pactos setoriais foram efetivamente firmados, quão difícil pode ser isso? A resposta do instituto foi a de que ele não responderia a apenas algumas perguntas, deixando outras sem resposta, preferindo, assim, deixar tudo sem resposta. Entendeu? Nem eu.
* Colaborou Vinícius Konchinski, repórter do UOL Esporte, no Rio de Janeiro