Corintiano irá a pé do Rio a SP para cumprir promessa por ter visto jogo na Bombonera
Vinícius Segalla
O corintiano Rodrigo Parente, 32, irá iniciar no próximo domingo uma viagem de nove dias a pé do Rio de Janeiro, onde mora, até o estádio que o Corinthians está construindo no bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo. No caminho, passará pela cidade de Aparecida, para visitar a Basílica da cidade.
O motivo é o pagamento de uma promessa, feita por Rodrigo à Nossa Senhora Aparecida em junho do ano passado, para que alcançasse a graça de assistir à primeira partida da final da Copa Libertadores da América do ano passado, disputada por Corinthians e Boca Juniors no dia 27 daquele mês.
O trajeto será feito em absoluta solidão, sem nenhum amigo ou parente dando qualquer tipo de suporte. Ele dormirá todas as noites em postos de gasolina, no chão batido, sem cobertor ou qualquer conforto. Em sua bagagem, levará apenas um par extra de tênis, barbeador, escova e pasta de dentes, um agasalho do Corinthians, um par de meias, um desodorante para os pés, uma camiseta e uma calça.
Também não irá comer carne vermelha nem beber refrigerante ou cerveja. Será uma viagem espartana. Seu único luxo será um telefone celular, para tirar fotos e ser utilizado em uma eventual emergência.
''Pois é, a promessa é exigente, mas tinha que ser. Na hora que eu fiz, eu achava que não tinha a menor chance de eu assistir a essa partida, e eu já tinha sofrido tanto… Então a promessa foi dura. E não é que deu certo?''
De fato, nas circunstâncias em que a promessa foi feita, poucos apostariam que Rodrigo conseguiria ver o seu Corinthians na Bombonera. Faltavam cerca de 30 horas para o jogo, e Rodrigo encontrava-se preso em nome da lei, sem lenço sem documento, na cidade de Passo de Los Libres, na fronteira do Brasil com a Argentina, a mais de 600 quilômetros de Buenos Aires.
Mas Rodrigo é um homem de fé. De fé e fiel. Quando o clube de seu coração se classificou para a final da Libertadores da América contra o Boca Juniors, em junho do ano passado, ele tratou de comprar no dia seguinte a sua passagem para Buenos Aires, para assistir à primeira partida da decisão, no dia 27 daquele mês. Não conseguiu comprar o ingresso para o jogo, mas iria de qualquer jeito, e fosse o que Deus quisesse.
Mas tudo deu errado a partir dai, ou quase tudo. A passagem era para o dia 25 de junho, do Rio de Janeiro para a capital argentina. Rodrigo foi embarcar no Aeroporto do Galeão portando um só documento, a carteira de motorista. Mas, na manhã do dia 25, no aeroporto, foi informado que só é possível viajar para o país vizinho portando passaporte ou RG.
Começou então a improvável saga do corintiano. Não havia tempo para tirar um novo RG, e Rodrigo havia perdido o seu. Desistir não era uma opção. Então, o corintiano resolveu trocar sua passagem de Buenos Aires para Porto Alegre. De lá, pegou um ônibus de 12 horas para Uruguaiana, cidade gaúcha na fronteira com a Argentina.
Rodrigo chegou ao município fronteiriço no início da tarde do dia 26 e conheceu um taxista. ''Ele me disse que seria impossível atravessar a fronteira até a cidade argentina de Paso de Los Libres sem portar RG ou passaporte''.
Sem nem pensar em desistir, ele perguntou se não haveria um método menos ortodoxo de cruzar a divisa. Este lhe disse que, durante a madrugada, apenas um agente policial argentino ficava no posto, e que se ele tentasse cruzar a fronteira longe da ponte que fornece o acesso oficial, talvez tivesse uma chance.
Era isso ou nada. Rodrigo, então, esperou até a madrugada para partir em sua missão de invadir a Argentina pelo mato. ''Achei que estava indo bem, mas quando estava chegando perto de uma rua asfaltada, fui parado ela polícia. Me levaram preso para o posto da fronteira''.
O policial, que não estava dormindo, era enérgico e justo. Não dava nem margem para oferta de propina. Era cadeia e deportação. Faltavam pouco mais de 24 horas para o jogo. Momento desespero, minha Nossa Senhora Aparecida, me ajuda, eu vou a pé do Rio até Aparecida, sem luxo, sem cama, sem carne e sem cerveja, eu prometo, mas preciso assistir a esse jogo.
Rodrigo fez a promessa, mas não parou por ai. Ele explicou tudo o que estava acontecendo ao policial, em portunhol fluente. Falou, chorou, implorou. ''Eu disse para ele que tudo o que eu queria era assistir a um jogo de futebol, era o Corinthians na final!''
O policial era torcedor fanático do Boca Juniors. Ele sabia muito bem da importância daquela partida. ''Ele ficou com dó de mim e resolveu dar um jeitinho. Ele me liberou, disse para que eu voltasse para o Brasil no dia seguinte ao do jogo e me desejou boa sorte, mas não muita, porque torcia para o Boca''.
Então, o brasileiro, já um imigrante ilegal na Argentina, caminhou até a rodoviária de Paso de los Libres e lá chegou por volta das 2h da manhã da madrugada do dia 27, data do jogo. O próximo ônibus para Buenos Aires, distante 677 quilômetros, sairia somente às 4h30.
Nesse ínterim, tentou dormir um pouco nos bancos da estação. Dois policiais acharam o elemento surpreso e foram aborda-lo. ''Quando eles viram que eu não tinha passaporte nem RG, quiseram me deportar''. Novo desespero, nova negociação, novo final feliz. O corintiano pegou o ônibus, sentiu o frio na barriga ainda uma vez mais, quando o coletivo passou por uma batida policial, mas finalmente chegou a Buenos Aires, no início da noite, e sem ingresso.
Tentou comprar nas imediações do estádio, mas não conseguiu. Achou caro os que lhe ofereceram ou ficou com medo de adquirir ingresso falso. Depois de toda a epopeia, o jogo começava na Bombonera e Rodrigo assistia ao Corinthians em uma TV de 20 polegadas em um boteco no bairro da Boca.
Foi neste momento que a reportagem do UOL Esporte conheceu o corintiano de fé. Eu trabalhava de repórter na partida, minha missão era acompanhar os desafortunados torcedores que tinham ido até Buenos Aires mas não tinham conseguido entrar no estádio. Havia cerca de uma centena deles em volta da TV do boteco da Boca.
Após toda a saga sem final feliz, Rodrigo me contava a sua história sem pesar, ''Vai Corinthians!'', mostrando irritação apenas quando o Corinthians errava um passe ou o juiz deixava de marcar uma falta, ou ainda quando lhe tapavam a visão da TV.
O fim do primeiro tempo se aproximava, junto com o término, até aquele momento, da história de Rodrigo. Em dado minuto, porém, ouviu-se um grito vindo de um torcedor que voltava correndo do último e atrasado ônibus da Gaviões da Fiel que chegava à Bombonera. O coletivo tinha ficado parado no trânsito portenho, então mais tumultuado que de costume por causa de uma greve de caminhoneiros. Havia um ingresso a mais, e este gavião de fina pluma, que já ouvira a história de Rodrigo sendo contada e recontada por muitas bocas alvinegras, sentenciou: aquele ingresso seria dele, Rodrigo. Minha Nossa Senhora Aparecida!
Como se sabe, o Corinthians empatou aquela partida em 1 a 1, com gol de Romarinho, de primeira, no primeiro toque que de na bola ao entrar na partida, no segundo tempo. O clube brasileiro foi campeão da Libertadores e depois campeão do mundo, em Tóquio. Rodrigo estava lá, ''a maior emoção da minha vida''.
Agora, chegou a hora de pagar a promessa. ''Para Nossa Senhora, prometi que ia só do Rio até Aparecida. Mas depois o Corinthians foi campeão mundial, e amo o Corinthians, então decidi que vou a pé até a porta do Itaquerão. Mas meu sonho mesmo é que o Corinthians deixe eu entrar no estádio (que está em obras), para que eu termine a caminhada dentro do nosso campo. Mas meu sonho mesmo, MESMO, é que eu ainda seja recebido pelo ex-presidente Lula, que é corintiano e lutador que nem eu, e que eu possa dar um abração nele, se Deus quiser''. Que Deus queira, Rodrigo.
P.S. Para quem quiser conhecer o corintiano pagador de promessas, aqui está a sua página no Facebook.