Blog do Vinícius Segalla

Estado da BA garante lucro de arena europeia para operador da Fonte Nova

Vinícius Segalla

Por Tiago Dantas e Vinícius Segalla
Da equipe de reportagem do UOL Esporte

Estádio tem que ter 95% de ocupação dos camarotes, ou o governo da Bahia pagará por isso


Ao preparar o contrato da PPP (Parceria Público-Privada) da Arena Fonte Nova, o Governo do Estado da Bahia utilizou um estudo de viabilidade que faz uma projeção de público para o estádio baiano com base na taxa de ocupação e rentabilidade de arenas europeias, como a Allianz Arena, da Alemanha. O estudo é assinado pela consultoria internacional KPMG, contratada pelo governo baiano.

O resultado do estudo foi atrelado ao contrato de PPP. Agora, caso a média de público da Fonte Nova fique abaixo dessa projeção estrangeira, o governo terá que bancar metade da diferença entre o projetado e o alcançado, a fim de garantir o lucro prometido para as concessionárias, que são as empreiteiras e administradoras de estádios Odebrecht e OAS.

É isso mesmo: ou o torcedor passa a ir ao estádio e a consumir do jeito que os europeus o fazem, ou o contribuinte baiano paga o pato.

Sem contar esta quantia variável, o custo atual anunciado da Arena Fonte Nova é de R$ 689,4 milhões (inicialmente, eram R$ 591,7 milhões), integralmente custeados pelo Estado da Bahia, sendo R$ 400 milhões de financiamento do BNDES.

Este valor será pago ao consórcio construtor, que é o mesmo que se tornou o administrador, ao longo de 15 anos – e a primeira parcela mensal foi entregue em maio deste ano, de R$ 8,5 milhões. O valor numeral final do pagamento será de R$ 1,4 bilhão, que seria o mesmo que os R$ 689 milhões em pagamento à vista.

Mas que o contribuinte não se engane. O estádio vai custar-lhe mais do que isso. Veja só, de acordo com o estudo de viabilidade ao qual se comprometeu o governo estadual, a média de público da Arena Fonte Nova deve ser de 27.140 pagantes.

A Fonte Nova é paga pelo Governo do Estado da Bahia, com financiamento do Governo Federal


Bom, os primeiros 19 jogos disputados na Fonte Nova tiveram uma média de 15.540 torcedores, segundo dados oficiais da CBF. Ou seja, o estudo de viabilidade apresentado pelo governo baiano previa um número 74% maior. Metade dessa diferença, caro contribuinte, será bancada por você.

É difícil dizer de quanto será essa diferença, porque o cálculo que se faz para determinar o lucro esperado envolve algumas variáveis ainda não determinadas, como flutuações de índices inflacionários e do mercado financeiro e receitas em diferentes áreas de atividade do estádio, como estacionamento, lanchonete, eventos não-esportivos etc.

A título ilustrativo, porém, pode-se fazer um cálculo aproximado apenas no que diz respeito à variável presença de público. Supondo que o preço médio cobrado na Area Fonte Nova e o previsto em contrato é exatamente o mesmo, de R$ 30, nos últimos 19 jogos, que tiveram média de público de 15.540 torcedores, a arrecadação terá sido de R$ 8.857.800.

  • 12049
  • true
  • http://esporte.uol.com.br/enquetes/2013/09/09/voce-acha-correto-o-uso-de-dinheiro-publico-em-estadios-da-copa.js

Já o resultado previsto em contrato para os 19 jogos era de um público médio de 27.140 pagantes, o que geraria uma renda de R$ 15.469.800. Muito bem, a diferença entre o que se previa e o que se arrecadou seria de R$ 6.612.000. Então, por regra contratual, metade desse valor seria pago pelo Estado à Odebrecht e à OAS.

Resumindo: em quatro meses de atividade, a Arena Fonte Nova já estaria custando R$ 3,3 milhões a mais do que anunciado pelo Governo do Estado da Bahia. Agora, multiplique isso por 35 anos, que é o período de concessão da arena às empreiteiras…

Inferno tem porão

E a ocupação do estádio não é o único objetivo baseado em arenas europeias de sucesso que a Fonte Nova terá que atingir para não receber dinheiro público. O estudo de viabilidade contratado pelo governo do Estado prevê que 85% dos camarotes serão vendidos entre este ano e 2014. A projeção salta para 95% de ocupação em 2015. O estádio possui 1.000 lugares em camarotes e 2.500 assentos corporativos.

Você entendeu? 85% e 95% de ocupação nos 3.500 lugares de camarotes e assentos corporativos. A KPMG previu esses percentuais de ocupação para os jogos do Campeonato Baiano ou quaisquer outros que venham a ser disputados na Arena Fonte Nova de agora até daqui a 35 anos.

Até agora, o que ocorreu? De acordo com a empresa que administra a arena, controlada pelas empreiteiras Odebrecht e OAS, dos 70 camarotes disponíveis no estádio, somente 29 já foram comercializados, ou 41% do total. É preciso repetir quem vai pagar a diferença?

Mais uma: o estudo da KPMG previa, e o governo estadual empenhou o bolso do contribuinte nessa previsão, que tanto o Bahia quanto o Vitória iriam jogar todos os seus principais jogos na Arena. Se não jogarem, vale a mesma regra: metade da diferença entre o valor esperado e o valor alcançado fica por conta do Estado. Pois bem, até agora, o único compromisso que o Vitória assumiu foi de jogar cinco partidas por ano na Fonte Nova.

LEGADO DA COPA REDUZIDO À FONTE NOVA

  • A Tarde

    O orçamento destinado às obras de mobilidade urbana em Salvador previsto no plano de preparação do Brasil para a Copa do Mundo de 2014 sofreu uma redução de 96% de janeiro de 2010 até agora.

    Além disso, as obras originais, que incluíam a finalização do Metrô de Salvador, foram substituídas por obras de acessibilidade no entorno da arena (clique na foto e leia mais)

Diante de tal quadro, o UOL Esporte enviou ao Governo do Estado da Bahia as seguintes perguntas:

– O estudo de viabilidade que pautou o contrato de PPP da Arena Fonte Nova previa jogos do Bahia e o do Vitória ocorrendo na arena. O Vitória irá jogar no estádio nos próximos 35 anos? Se não, houve alteração contratual? Se sim, qual(is)?

– O estudo de viabilidade que pautou o contrato de PPP da Arena Fonte Nova prevê uma média de público em jogos do Bahia de 27 mil torcedores. A média, até agora, está bem abaixo disso. Há possibilidade de se rever o cálculo de lucratividade mínima da arena para o consórcio, que será garantida, em último caso, pelo Estado?

– O estudo de viabilidade que pautou o contrato de PPP da Arena Fonte Nova prevê uma ocupação dos camarotes da Arena Fonte Nova de 95%, semelhante ao padrão europeu. Por que tal parâmetro, o europeu, foi utilizado para pautar o contrato de um estádio em Salvador?

Leia, agora, a resposta do governo baiano:

''O modelo de negócios desenvolvido para a operação da Arena Fonte Nova define o número mínimo de partidas de futebol ao ano, que seriam 13 do Campeonato Baiano; 19 do Campeonato Brasileiro, e pelo menos uma partida da Copa Brasil.

Para atingir esses números, entendimentos foram mantidos pela Fonte Nova Negócios e Participações (FNP) com o Esporte Clube Bahia, que tem mando de campo na Arena. O Vitória assegurou, para este ano, mando de campo de 5 (quatro delas já realizadas) partidas no equipamento. Negociações para que o Vitória jogue na Arena continuam sendo mantidas pela FNP.

Durante o Campeonato Baiano, a bilheteria do estádio enfrentou dificuldades com a campanha Público Zero deflagrada pela torcida tricolor descontente com a direção do Clube, problema hoje já superado. No entanto, algumas estratégias vêm sendo adotadas pela FNP para atrair um público maior à arena, como implantação de valor popular do ingresso – R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia) no Setor Super Norte (3º Anel); criação do projeto “Arena Ritmos”, com apresentação de grupos musicais antes das partidas; gratuidade de ingresso para menores de 6 anos; venda de ingresso a R$35,00 no Lounge Premium para crianças de 7 a 12 anos são algumas das medidas já implementadas, existindo outras em discussão.

Vale destacar que a Cláusula 19ª (Revisão, alocação de riscos e equilíbrio econômico-financeiro) do Contrato de PPP firmado prevê o compartilhamento de risco das receitas operacionais. Isso equivale dizer que tanto o superávit quanto o déficit da operação serão compartilhados na proporção de 50% para cada uma das partes (Estado e FNP).''

Bom, como se nota, a pergunta sobre os camarotes não foi respondida. Refaz-se, então, a pergunta, agora publicamente, na esperança de algum esclarecimento por parte do Governo da Bahia:

O estudo de viabilide que pautou o contrato de PPP da Arena Fonte Nova prevê uma ocupação dos camarotes da Arena Fonte Nova de 95%, semelhante ao padrão europeu. Por que tal parâmetro, o europeu, foi utilizado para pautar o contrato de um estádio em Salvador?

Agora, sobre o acordo previsto com o Vitória. O governo admite que o que está previsto no contrato não está acontecendo, o que incorre em prejuízo para os seus cofres. Afirma que o clube está negociando com os empreiteiros, e isso é tudo. Em outras palavras, a resposta foi: ''Sim, do jeito que está iremos ter prejuízo, mas eles estão lá negociando, vamos torcer''.

Finalmente, sobre a média de público, mais uma vez, o governo afirma que não está sendo alcançada a meta esperada, e anuncia que a concessionária está buscando meios de recuperar os resultados. A estratégia seria reduzir os preços das entradas, para atrair mais público. Só não conta que isso cobre um santo e descobre outro, porque o estudo de viabilidade prevê também um valor mínimo para os ingressos, que se não for cobrado, não será possível atingir a meta.

Nada disso quer dizer, porém, que houve má fé de qualquer uma das partes na confecção dos estudos, processos e contratos. Certo?

Fonte das informações

Todas as informações constantes nesta reportagem estão disponíves em sites públicos. O contrato da PPP está aqui. Já o estudo de viabilidade da KPMG que balizou o contrato está aqui. Ou pelo menos estavam, até a publicação desta reportagem.

O compromisso de pagar metade do prejuízo do concessionário é explicado pela cláusula 19 do contrato de PPP, que fala sobre “revisão, alocação de riscos e equilíbrio econômico-financeiro”. O artigo 19.4.3 diz que “a partir da demanda projetada indicada no caso-base, serão consideradas (…) regras de compartilhamento de riscos”.

O texto segue dizendo que “ocorrendo variações de demanda, a menor, (…) as correspondentes perdas de receitas serão compartilhadas entre a Concessionária e a Concedente, na proporção de 50% para o Poder Concedente e 50% para a Concessionária, e não ensejarão a revisão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato”

O caso-base citado no contrato é a projeção de público feita pela consultoria KPMG, que atua em 156 países e foi contratada em 2009 pelo governo estadual da Bahia para fazer os estudos. Os técnicos da KPMG calcularam a média de público do Bahia e do Vitória entre 2006 e 2008 – no período o Bahia chegou a disputar a série C do Brasileirão.

Além de usar uma estimativa com dados que não são uniformes, a consultoria ainda previu um crescimento de 20% no público com base em quesitos subjetivos, como: maior conforto, segurança, acessibilidade e novas formas de venda de ingresso.

Ao justificar a ocupação dos camarotes, a KPMG alega que “para efeitos de modelagem foi considerada uma ocupação de 85% no início da operação, até atingir 95% de ocupação (mesma ocupação de arenas multiuso européias)”. A mesma metodologia ajudou a chegar à estimativa de público, segundo o documento.